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GLAUCO DINIZ DUARTE  Como o Nordeste virou principal polo da energia eólica no Brasil

Até 2006, a geração de eletricidade a partir do vento era inexpressiva no Brasil. Isso havia começado a mudar antes, em 2002, com o lançamento de um programa de incentivo a fontes de energia renovável pelo governo federal.

E ganhou força a partir de 2009, quando passaram a ocorrer leilões para a criação de usinas e a contratação do fornecimento desse tipo de energia, como o que foi realizado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) nesta sexta-feira (saiba mais no quadro ao lado).

Mas a geração de energia eólica é alvo de críticos que veem prejuízos ambientais e privatização de áreas comunitárias para a criação dos parques. Além disso, ainda há dificuldades na transmissão energética.

 

Investimento bilionário

Um total de 20 projetos de geração de energia eólica foram contratados no 2º Leilão de Energia de Reserva 2015, realizado nesta sexta-feira.

O leilão ainda contratou outros 33 empreendimentos de geração de energia solar também.

Ao todos, estes projetos representam R$ 6,8 bilhões em investimentos em geração de energia solar e eólica no país nos próximos três anos.

Eles serão construídos em nove Estados (BA, MG, PE, CE, TO, SP, RN, MA e PB).

Com a disputa entre empresas, o valor da energia solar atingiu R$ 297,75/MWh, uma queda de 21% em relação ao preço inicial, de R$ 381,00/MWh.

No caso da energia eólica, a redução foi de 4,5%. O preço ficou em R$ 203,46/MWh, diante de um valor inicial de R$ 213,00/MWh.

Os projetos terão capacidade instalada de 548,2 megawatts, no caso da energia eólica, e 1.115 megawatts para a energia solar.

Os empreendimentos entrarão em operação a partir de 1º de novembro de 2018, com prazo contratual de 20 anos de fornecimento.

Há hoje no país 322 usinas, com capacidade de produção de 8,12 gigawatts, o equivalente à usina hidrelétrica de Tucuruí, no Pará, a segunda maior em operação no Brasil, segundo a Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica). Essa fonte de energia responde atualmente por 5,8% da matriz nacional e abastece 6 milhões de residências.

De acordo com o Conselho Global de Energia Eólica, o Brasil tem a 10ª maior capacidade de geração do mundo e, em 2014, foi o quarto que mais ampliou esse potencial, atrás de China, Alemanha e Estados Unidos.

Essa transformação fez do Nordeste o polo da energia eólica no Brasil: a região responde por 75% da capacidade de produção nacional (o restante se concentra no Sul do país) e 85% da energia gerada de fato no país por essa fonte. Dos cinco maiores Estados produtores, quatro são da região: Rio Grande do Norte, Ceará, Bahia e Piauí – o Rio Grande do Sul completa a lista.

Bons ventos

O que torna o Nordeste tão atraente para esse tipo de atividade?

Trata-se de uma vocação natural da região, segundo o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, opinião compartilhada por especialistas ouvidos pela reportagem.

“O vento brasileiro está predominantemente localizado na parte setentrional do Nordeste, com potencial identificado de 300 gigawatts”, diz Braga à BBC Brasil. “Esse potencial tem se revelado cada vez mais eficiente, levando a um investimento significativo nessa região.”

Élbia Gannoum, presidente da Abeeólica, explica que, enquanto a média de produtividade de um gerador eólico é de 28% a 30% no mundo e supera 50% no Brasil, este índice atinge picos de 83% no Nordeste.

“Além de ter uma velocidade bem superior à necessária para geração de energia, o vento na região é unidirecional e estável, sem rajadas. Isso significa que a energia é produzida o tempo todo”, afirma Gannoum.

“Este tipo de vento vem do Atlântico e chega a mais três outros países: Etiópia, Venezuela e Somália. Mas eles não têm parques eólicos para aproveitá-lo.”

Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), que é vinculada ao Ministério de Minas e Energia, afirma que a produção eólica faz do Brasil e, por consequência, do Nordeste, um “caso de sucesso em energia eólica no mundo” que seria estudado “por países da Europa, como a Alemanha, e outros da América Latina”.

“Fui convidado para integrar a mesa de abertura do seminário da associação europeia de energia eólica. Será emblemático ter um brasileiro participando de um evento feito por europeus e para europeus. Isso mostra o interesse do mundo por nós.”

Expansão

Os primeiros passos para o estímulo à geração de energia eólica no país se deram em 2002, com a criação do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica pelo governo federal, que tinha a meta de diversificar a matriz energética nacional por meio de subsídios. O programa foi regulamentado por decreto em 2004 e passou a funcionar na prática em 2005.

Quatro parques eólicos entraram em operação no país em 2006, segundo a Operadora Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Três anos depois, passaram a ser realizados no país leilões voltados para a construção de parques e usinas eólicos.

Nesse modelo, a Aneel determina a quantidade de energia necessária a ser fornecida. As empresas interessadas apresentam projetos para atender a demanda, de acordo com critérios estabelecidos do governo, entre eles o valor máximo a ser cobrado pela energia. Vencem aqueles com a melhor relação entre eficiência e custo. O contrato dura 20 anos.

O número de usinas em operação no país passou, então, a crescer exponencialmente, especialmente no Nordeste, com destaque para o ano passado, com um recorde 47 complexos, parques e usinas inaugurados.

“Como o leilão é um processo competitivo, isso favoreceu esta região, que tem o melhor potencial eólico do país”, afirma Gannoum, da Abeeólica.

Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), ressalta que a iniciativa brasileira também foi beneficiada pela crise econômica mundial de 2008.

“Esta crise fez com que sobrasse muito equipamento e houvesse capacidade ociosa na Europa, e isso migrou para o Brasil”, afirma Pires. “Ao mesmo tempo, determinados Estados criaram políticas próprias de incentivo a este tipo de energia, reduzindo tributos. O que vemos hoje é um resultado da combinação destes fatores.”

Tecnologia e benefícios

Avanços tecnológicos também contribuíram para tornar o processo mais competitivo no Brasil. Nos últimos dez anos, as torres de geradores ficaram mais altas, passando de 50 metros para os 100 a 120 metros atuais, o que permite captar ventos mais velozes. Ao mesmo tempo, a potência das máquinas triplicou, para 3 megawatts.

Os geradores mais eficientes reduziram o custo da energia eólica. Hoje, o preço médio é 45% menor do que há dez anos, fazendo com a eólica seja a segunda energia mais barata no país, só atrás da hidrelétrica.

Tomalsquim, da EPE, alega que isso criou um “círculo virtuoso” de atração de investimentos.

Um exemplo está na CPFL Renováveis, uma das principais produtoras de energia eólica do país. O grupo do qual a empresa faz parte venceu seu primeiro leilão de energia eólica em 2009. Hoje, a CPFL Renováveis tem 34 parques eólicos, 30 deles no Nordeste, e mais três empreendimentos em construção na região.

“Acreditamos muito nesta fonte de energia”, diz Alessandro Gregori, diretor de novos negócios da empresa.

No ano passado, o setor criou 40 mil postos de trabalho, segundo a Abeeólica, que prevê outros 50 mil novos postos de trabalho para este ano.

Especialistas explicam que, no Nordeste, a criação destes parques ocorre muitas vezes em regiões pobres, como o sertão, onde há ventos melhores do que no litoral.

Eles alegam que as empresas constroem os parques em terrenos usados por pequenos produtores rurais, criando uma renda extra para as famílias que antes viviam apenas destes cultivos.

Gannoum, da Abeeólica, diz que “a instalação dos geradores não impede que o agricultor continue com seu cultivo. As duas atividades podem conviver”.

Tolmasquim destaca que também são criados empregos com a fabricação, instalação e manutenção de equipamentos.

Especialistas apontam, no entanto, problemas e desafios para a expansão da geração de energia eólica no Nordeste. Jorge Antônio Villar, coordenador do Centro de Energia Eólica da PUC-RS, alerta ser preciso ter atenção aos prejuízos ambientais que ela pode causar.

“Estudos realizados no Ceará mostram que os parques instalados no Estado desestruturaram a dinâmica ambiental e ecológica de dunas locais, além de privatizarem áreas localizadas entre comunidades litorâneas e as praias sobre as quais elas tinham direito natural”, afirma Villar.

“O crescimento da atividade deveria contar com uma maior preocupação relativa aos métodos e procedimentos e uma avaliação mais rigorosa dos impactos socioambientais.”

Tolmasquim, da EPE, destaca que os empreendimentos só são contratados sob licença ambiental.

Por sua vez, Gannoum, da Abeeólica, alega que os prejuízos da atividade são “mínimos” e que a indústria tenta reduzi-los. “Antigamente, os geradores faziam um grande ruído, mas a tecnologia foi alterada para acabar com isso, por exemplo.”

Outro aspecto diz respeito à infraestrutura. O ritmo de expansão de parques e usinas não tem sido acompanhado na mesma medida pela construção de linhas de transmissão para levar esta energia até a população.

Em 2014, uma auditoria do Tribunal de Contas da União estimou que a falta de linhas impediu, entre julho de 2012 e dezembro de 2013, que 48 parques e usinas no Rio Grande do Norte e na Bahia escoassem sua produção, gerando um prejuízo de R$ 929 milhões. “Isso ainda é um desafio no Nordeste e freia a expansão eólica”, diz Gregori, da CPFL.

Segundo o governo federal, entre 2015 e 2018, os investimentos em linhas somarão R$ 61 bilhões. Em agosto, o governo ainda anunciou o leilão para construção de 37,6 mil quilômetros de linhas, com um investimento de R$39 bilhões até 2018 e outros R$ 31 bilhões após este período.

No entanto, Pires, do CBIE, afirma que os atrasos na entrega destes projetos são frequentes: “Este problema ainda está longe de ser resolvido”.

 

 

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