GLAUCO DINIZ DUARTE – Produção de energia no Brasil segue concentrada nas hidrelétricas
Há quase um ano, a terra da caatinga viu brotar 148 cataventos no solo semiárido, cada um com 122 metros de altura. Empresas privadas investiram R$ 1,2 bilhão na tecnologia brasileira, mas até agora nenhum megawatt foi gerado. Não falta vento, e sim a linha de transmissão para levar energia à casa das pessoas. Ela deveria ter sido construída pela Companhia Hidrelétrica do São Francisco, a Chesf, em julho do ano passado.
A empresa já foi multada em R$ 12 milhões pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) por ter administrado mal os prazos. Segundo a companhia, a culpa é do Iphan da Bahia, que ainda não teria emitido um documento autorizando a construção. O órgão garante que a obra está liberada desde o dia 14 de março, enquanto a Chesf alega que a permissão é apenas para um trecho.
Durante a batalha judicial, os aerogeradores continuam quase parados; eles giram um pouco, bem devagar, por causa de uma manobra técnica da empresa para que a máquina não dê defeito. Maior complexo eólico da América Latina, ele poderia abastecer uma cidade do tamanho de Brasília.
Mas este não é um problema isolado. Segundo a Associação Brasileira de Energia Eólica, ao longo deste ano, vão ficar prontos 50 parques, mas a construção das linhas de transmissão que vão atendê-los já está atrasada. Por enquanto, este tipo de energia limpa, cujo potencial é incalculável, representa apenas 1,58% da matriz brasileira.
O diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) aponta que a energia eólica é a mais competitiva do ponto de vista dos custos, mas ela precisa ser complementada. “Quando falta vento, alguém tem que entrar no lugar. Essa complementação de eólica com reservatório é muito boa, só que você não está construindo mais reservatórios”, argumenta Hermes Chipp.
A matriz energética brasileira ainda é predominantemente hídrica (64,33%). Porém, a energia gerada pela força da água está mudando. Devido ao rigor de leis ambientais recentes, usinas com reservatório – que têm altos impactos ambientais e sociais – não devem mais existir no país. A maioria das novas hidrelétricas será a fio d’água. “É dentro desse marco que o Brasil construiu as usinas de Santo Antônio, Girau, Belo Monte e que vai construir outras, sempre respeitando o meio ambiente, porque é a fonte mais barata que se pode ter nesse momento”, explica o coordenador da UFRJ, Nivaldo de Castro.
Na usina de Santo Antônio, em Porto Velho (RO), a produção energética varia de acordo com a quantidade de água dos rios em cada época do ano. Ela foi inaugurada parcialmente, para atender de forma emergencial a demanda do país. Ainda falta instalar 33 turbinas. O funcionamento pleno deve ocorrer a partir de novembro de 2015, quando a hidrelétrica terá capacidade para abastecer 40 milhões de pessoas, com prioridade para o Acre e Rondônia, estados que ainda sofrem com a falta de luz.
Os vizinhos das usinas a fio d’água reclamam. Eles dizem que o rio, de onde sai o sustento da maioria, está diferente. Os diretores da usina Santo Antônio dizem que não há influência na força da correnteza do rio Madeira em um ponto que fica a cinco quilômetros da hidrelétrica, mas os moradores discordam. Segundo eles, a água ficou mais agitada e as encostas estão cedendo. “A força da água é tanta que hoje vocês estão vendo essa cratera. Há 35 anos, não existia”, diz Jorge de Souza. Para o diretor técnico da usina, trata-se de um efeito natural. “Nenhum desses processos que têm acontecido hoje vem acelerado ou sendo causados pela usina. Ela não vai piorar e nem melhorar a situação”, afirma Antônio de Pádua.
Se o fator social é de difícil resolução, depender de fenômenos naturais é ainda mais complicado. Sem chuva, os reservatórios brasileiros atingiram níveis críticos nos últimos meses. Como a fonte secou, o governo brasileiro se viu obrigado a acionar as usinas termelétricas. “Hoje, estão todas as térmicas operando. Boa parte por ordem de mérito econômico”, aponta o diretor-geral do ONS. Segundo Hermes Chipp, nunca houve, em um passado recente, a utilização de térmicas com tanta intensidade por um período tão longo, que começou em outubro. Não choveu o que era esperado, os reservatórios secaram e foram as termelétricas que garantiram um primeiro semestre sem maiores transtornos.
Elas não dependem de chuva, sol ou vento, mas produzem uma energia suja, que usa carvão mineral, óleo e gás. E são também caras: a produção de energia térmica custa cinco vezes mais que a hidrelétrica. A vantagem é que essas usinas podem ser construídas perto de centros urbanos, diminuindo a necessidade de linhas de transmissão e desperdiçando menos energia.
Na avaliação do governo, as termelétricas vão ter papel cada vez mais importante para o país. “Terão uma participação crescente em um momento em que não se constrói hidrelétricas com reservatórios, porque você tem que compensar a ausência. Mas essa complementaridade não é suficiente para trazer segurança”, observa o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim.
Em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, fica a maior termelétrica natural do Brasil. Quando funciona dentro da capacidade máxima, o que não é raro, ela consegue gerar energia para 4,5 milhões de pessoas, mas não é possível dizer quem ela abastece. “A gente gera eletricidade e entrega para o sistema. O elétron não tem CPF, ele sai daqui e a gente não sabe para onde está indo”, conta o gerente de operação Antônio Ramos.
A energia vai para o Sistema Interligado Nacional. Só 3% da produção de eletricidade no Brasil ficam de fora, em pontos isolados da região amazônica. Os outros 97% formam múltiplas ligações pelo país e uma região colabora com a outra. “Elas são muito bem feitas, mas podem acontecer problemas técnicos, climáticos ou falhas humanas. Quando uma autopista é cortada, há um desequilíbrio na oferta de energia, que não chega onde há demanda”, explica Nivaldo de Castro.
A falta de energia tem sido mais constante que o normal. Os brasileiros ficaram 18 horas e 39 minutos sem energia no ano passado, 15 minutos a mais do que em 2011 e quase três horas acima do limite estabelecido pela Aneel, que é de 15 horas e 52 minutos.
Energia nuclear
Em Angra dos Reis, no litoral sul do Rio, ficam três usinas atômicas brasileiras, sendo uma ainda em construção. O acidente na central atômica de Fukushima, no Japão, em março de 2011, fez o setor nuclear mundial redefinir as estratégias. O governo japonês anunciou que vai construir na região atingida pelo desastre o maior parque eólico flutuante do mundo, com 143 turbinas, até 2020.
Dois anos antes, no Brasil, Angra 3 deve entrar em operação. A última previsão era junho de 2016 e o investimento é estimado em R$ 12,9 bilhões. “O importante é que o Brasil tenha alternativas térmicas e, dentro delas, a nuclear preenche uma parcela importante, porque o combustível é barato. Com as reservas conhecidas de urânio, o país tem a sexta reserva mundial”, destaca o diretor de operação da Eletronuclear, Luiz Porto.
Apesar do efeito Fukushima, ficou fora de cogitação interromper a obra de Angra 3. No Plano nacional de Energia de 2006, divulgado cinco anos antes do acidente, estavam previstas, em um cenário de bom crescimento econômico, a construção de oito usinas nucleares no Brasil até 2030. Já o Plano Decenal de Expansão de Energia de setembro do ano passado, também feito pela EPE, não há menção a novas usinas. Cita-se apenas o término das obras de Angra 3.
O acidente no Japão fez surgir um plano B em caso de emergência, chamado de Plano Fukushima, que prevê a construção de cais em duas praias. Eles permitiram a retirada de 15 mil pessoas pelo mar. “O plano retira preventivamente três quilômetros. Se houver necessidade, tira em um raio de cinco quilômetros”, diz o coordenador de emergência da Eletronuclear, Paulo Werneck. Segundo ele, serão desenvolvidos postos de triagens para que embarcações de pesca, de lazer e da marinha possam ajudar na retirada da população.
Dentro de galpões, estão estocados os chamados rejeitos radioativos. São seis mil caixas com material de média radioatividade, que guardam ferramentas, botas de trabalhadores, macacões e todo o lixo gerado pela usina. Onde vai parar o novo volume de lixo radioativo gerado pelo país em 2020? “O Brasil ainda não decidiu o que fazer, é uma política de estado”, explica Luiz Porto.
Segundo o diretor de operação da Eletronuclear, pesquisas de opinião mostram que os vizinhos da usina se sentem seguros. Os moradores recebem da empresa um calendário no qual está marcado o teste da sirene, que ocorre todo dia 10. Dona Lizarb Pereira conta que o microfone é alto e divulga a mensagem de que o Corpo de Bombeiros do estado avisa que é um teste e que os habitantes podem continuar suas atividades normalmente. O problema é quando o teste da sirene não bate com o dia do calendário. Foi o que aconteceu há três anos. “Não era dia 10. Eram sete horas da manhã e disparou o alarme. Duas ou três horas depois eles vieram avisar que era defeito na sirene. Eu fiquei apavorada. Muita gente ficou nervosa”, conta Lizarb.