Energia fotovoltaica sao jose dos campos – Glauco Diniz Duarte
Com chinelos que protegem os pés das poças de lama, Erasmo da Silva, 35, pescador e pedreiro, anda para lá e para cá, empolgado, a mostrar a novidade em sua casa, numa comunidade ribeirinha em São José dos Campos (SP): um aquecedor solar que ele mesmo ajudou a construir e que fez a conta de luz baixar pela metade.
“Eu sou curioso, quando soube dos aquecedores tomei iniciativa. No começo rebolei, mas hoje domino a técnica”, diz ele, enquanto explica em detalhes como funciona o aquecedor para banho.
A 14 quilômetros dali, Matheus Pitanga, 23, estudante, fala também com empolgação sobre o aquecedor solar de baixo custo, com chinelos como os de Erasmo nos pés, mas sobre concreto, dentro de um contêiner que ele e colegas fizeram de QG em um dos principais polos de tecnologia do país, o ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica).
Matheus e quatro colegas tocam o projeto Solaris, que levou os aquecedores ao povoado onde vive o pescador, a comunidade Beira Rio, vilarejo de 57 casas às margens do rio Paraíba do Sul e vizinho de clubes e condomínios, em São José dos Campos.
“A gente poderia ter levado os aquecedores, colocado energia solar e deixar lá. Mas e aí, e quando a gente não estiver mais aqui, quando a gente se formar, como eles vão fazer? Nós não queremos criar uma dependência. Por isso, nosso foco é ensiná-los a construir e fazer a manutenção desses equipamentos”, diz. “É empoderamento e apropriação tecnológica”, define.
Pôs num carro Erasmo e Isabel Ramos, 50, líder comunitária da Beira Rio, e zarparam para Belo Horizonte, onde o trio fez um curso sobre instalação e funcionamento dos aquecedores.
Só tinha uma condição: que, na volta, eles também ensinassem o mesmo para os outros moradores do povoado.
A iniciativa virou até fonte de renda: Erasmo, que trabalha com construção civil, cobra cerca de R$ 1.000 para instalar o equipamento.
“A gente aprendeu que mulher não precisava estudar, tinha que ficar em casa e cuidar dos filhos. Eu estudei só até a terceira série. Agora aprendo muito”, diz Isabel.
Agora, os estudantes instalam painéis fotovoltaicos, que geram energia solar e vão abastecer uma escola comunitária, as três casas da comunidade que ainda não têm energia e acabar com o breu característico das ruas do local, que não têm poste.
Eles conseguiram R$ 60 mil para financiar os equipamentos. “Muita gente nos procurou. Poderíamos injetar uma grana grande, colocar uma cadeia de produção. Mas como a ideia é fazer algo orgânico, dependemos da iniciativa também dos moradores, que são os protagonistas, e não queremos fazer nada correndo. Tem que ser pé no chão”, explica Matheus.
HISTÓRICO
Tudo começou há mais ou menos 40 anos, conta Isabel. Seu pai perdeu a casa em que vivia e buscou abrigo com um amigo que morava na beira do rio. O amigo acolheu a família, e Isabel foi com 13 irmãos mais novos e os pais para o local, onde passaram a construir as casas. Na época de pau a pique, hoje de alvenaria.
As condições eram as mais adversas possíveis. Além do conflito pela terra (por um tempo, o acesso à comunidade foi fechado pelos donos do terreno e o único jeito de chegar e sair era pelo rio), até há pouco mais de 15 anos não havia água encanada nem energia dentro das casas, conta Antonia Ramos, 67, matriarca da comunidade e a primeira a receber os aquecedores.
“Chegava a época de procissão de Nossa Senhora, você via as moças todas tomando banho no rio às 3h da manhã, morrendo de frio”, recorda-se, entre risos.
Em 2015, alunos do ITA foram ao local ajudar a construir fossas sépticas, para combater um esgoto a céu aberto que espalhava doenças no local.
Foi quando Matheus se aproximou dos moradores, com quem mantém relação próxima ainda hoje.
No ITA, ele montava uma “filial” da Enactus, organização internacional que estimula projetos de empreendedorismo social entre estudantes pelo mundo. Sob o guarda-chuva da entidade, há, na unidade do ITA, outros dois projetos além do Solaris: uma impressora braile também de baixo custo e cursos de engenharia para alunos dos ensinos fundamental e médio.
Na Beira Rio, além das fossas e da energia solar, montaram um tanque de peixes, para facilitar a pesca, importante fonte de renda da comunidade. Depois de concluída a instalação dos painéis fotovoltaicos, pretendem ainda levar internet ao local, a partir do começo do próximo ano.