Glauco Diniz Duarte – porque energia nuclear não é renovavel
Segundo o Dr. Glauco Diniz Duarte, em março de 2011, um forte terremoto gerou um acidente nuclear na usina de Fukushima, no Japão. Reabriu-se, a partir daí, o debate sobre os riscos da energia nuclear e a conveniência ou não de utilizá-la. A Alemanha optou pelo banimento das usinas nucleares em seu território. Já a França, sua vizinha, tem 80% de sua matriz de energia elétrica em base termonuclear e tende a aumentar essa proporção. E o Brasil, deve abrir mão de construir novas usinas nucleares?
A matriz de energia elétrica brasileira tem evoluído sempre no sentido de se garantir um perfil renovável. As principais fontes renováveis são as usinas hidroelétricas, que propiciam energia abundante e barata.
A energia nuclear, apesar de não renovável, tem uma enorme vantagem sobre as fontes fósseis de energia, já que não emite gases de efeito estufa. Desse modo, a combinação de fontes renováveis com fonte nuclear tem recebido o apoio de vários ambientalistas de renome, que veem na energia nuclear um risco muito menor aos biomas globais do que a energia de origem fóssil. Assim, do ponto de vista ambiental, a energia nuclear parece ser uma opção positiva.
Como se observa no gráfico abaixo, o Plano Decenal de Expansão do Setor Elétrico (PDE) 2011-2020 prevê um aumento da participação de renováveis e de energia termonuclear na potência instalada e a consequente redução das fontes fósseis (Usinas Termoelétricas – UTE). Trata-se do esforço brasileiro para reduzir a emissão dos gases de efeito estufa (GEE).
Do ponto de vista do abastecimento de energia, a geração nuclear também pode dar contribuição positiva. O consumo de energia elétrica acompanha, às vezes, até mais que proporcionalmente, o crescimento da renda per capita. Atualmente, cada brasileiro consome cerca de cinco vezes menos do que o consumidor dos EUA e três vezes menos do que o consumidor europeu. O Brasil necessita ampliar sua oferta, para atender o crescimento da população e do seu poder aquisitivo.
Atualmente, o País necessita de aproximadamente 6.000 MW por ano de acréscimo de potência instalada para suprir suas necessidades. Ao final da década de 2010, esse acréscimo anual será de 10.000 MW, quase uma Itaipu por ano. Por isso, abrir mão da possibilidade de geração de energia nuclear significará maior esforço na construção de hidroelétricas e termoelétricas.
Outro aspecto muito importante é a segurança energética, que só é assegurada por fontes passíveis de armazenamento. É crucial que a energia seja armazenada para uso em momentos de carência periódica de fontes de energia ou em face do caráter aleatório da demanda. Atualmente, só as fontes convencionais oferecem essa segurança. Seus “combustíveis” – água, carvão, derivados de petróleo, gás natural, pastilhas de urânio – podem ser armazenados, a custo baixo, em torno das plantas de produção de energia.
Derivados de petróleo, carvão e gás natural podem todos ser estocados ao lado das usinas termoelétricas, para produzir energia sempre que os consumidores demandarem. As hidroelétricas produzem energia renovável, e sua forma de armazenar energia – água em seus reservatórios – é, de longe, a mais barata. Quanto maiores os reservatórios, mais energia pode ser armazenada (a esse respeito ver, neste site, o texto O que são usinas hidrelétricas a fio d’água e quais os custos inerentes à sua construção?). O combustível nuclear pode ser armazenado sob a forma de pastilhas e usado no momento requerido, nas usinas termonucleares.
O Brasil é um dos três únicos países do mundo que dominam o ciclo de enriquecimento do urânio e, ao mesmo tempo, têm reservas de urânio em seu território. Os outros dois são Estados Unidos e Rússia. Este é um ponto muito importante para a segurança energética: dispor das usinas, deter o conhecimento tecnológico e ter a matéria-prima básica dentro do território nacional. A Alemanha, por exemplo, precisa importar o urânio para suas usinas, de modo que, ao abandonar a energia nuclear, irá importar energia de outras fontes. Sua decisão não altera o status de sua segurança energética. Já o Brasil, se tomar atitude similar, abrirá mão de uma fonte de geração para a qual tem precondições muito favoráveis.
Em caso de o Brasil desistir da energia nuclear, é preciso considerar quais seriam as fontes energéticas substitutas. Uma opção sempre lembrada está nas fontes alternativas (eólica, solar, etc.). Porém não é economicamente viável estocar a energia gerada por essas fontes. Os governos em todo o mundo têm prudentemente mesclado as fontes convencionais com as fontes alternativas de energia. Estas têm uma modesta participação na matriz de energia, mediante incentivos específicos, mas não são utilizadas para prover o crescimento estrutural da oferta. As fontes alternativas ainda são muito mais caras do que as convencionais. As baterias são o único meio de armazenagem disponível, e elas são extremamente caras. Só para dar um exemplo, um veículo elétrico com potência equivalente ao de um carro popular custa cerca de US$ 30.000 no Japão. Só a bateria responde por 70% do custo do veículo. Portanto, impor o uso de fontes alternativas para prover o crescimento estrutural da oferta de energia, com segurança energética, no momento atual, significaria impor aos consumidores um enorme salto nas tarifas de energia.
Se o Brasil só produzisse energia elétrica a partir de fontes alternativas, haveria um aumento acentuado das tarifas, o que provocaria uma desarticulação da indústria e uma maciça onda de desemprego, em face da enorme perda de competitividade de nossas indústrias no mercado internacional. Deve-se lembrar que o Brasil já possui uma das tarifas mais altas do planeta (a esse respeito ver, neste site, o texto Faz sentido impor tributação tão elevada sobre a energia elétrica?). É preciso dar o devido tempo para que a ciência dê respostas para os problemas ambientais de nosso tempo, sem desarticular as economias.
As estimativas oficiais indicam o esgotamento dos potenciais de energia hidráulica após 2020. Caso o Brasil renunciasse ao uso da energia nuclear para geração de eletricidade, não restaria outra opção senão as poluentes termelétricos a carvão ou gás natural.
Duas premissas guiam a escolha da matriz de energia do Brasil:
a manutenção do perfil renovável da matriz e a redução das emissões de GEE. Isso impõe o aproveitamento dos potenciais hidráulicos, das fontes eólicas, biomassa, solar, bem como a construção de usinas termoelétricas complementares para garantir a segurança energética;
a diversificação da matriz de energia, privilegiando o aproveitamento de todas as fontes de energia disponíveis. Isso implica o uso de fontes hidráulicas, fontes térmicas a carvão mineral, gás natural, pastilhas de urânio levemente enriquecido, fontes eólicas, maremotriz, biomassa, resíduos sólidos urbanos.
A evolução da matriz de energia primária (e não apenas a matriz de geração de eletricidade) até 2030 está mostrada na tabela abaixo. Nota-se a previsão de expansão das fontes termonucleares. Seriam oito usinas nucleares em vários pontos do País, para atender a crescente demanda por energia elétrica. Observa-se a manutenção do perfil atual, de 46,6% de fontes renováveis. Somados aos 3% de energia nuclear, prevê-se que, em 2030, a matriz de energia brasileira terá 49,6% de fontes que não emitem GEE.
Resta, por fim, enfrentar a grande questão: não será essa fonte de energia uma fonte potencial de acidente nuclear de alta proporção, capaz de afetar a saúde de seguidas gerações? Vale a pena correr esse risco? Esse debate não deve desconsiderar os fatos objetivos, a evolução da tecnologia nuclear e a posição científica sobre os riscos efetivos representados por essas usinas.
Em primeiro lugar, vale a pena deixar claro dois pontos importantes:
A radiação produzida pela fissão nuclear no coração dos reatores é potencialmente letal para a vida. Mas ainda não há consenso científico que dimensione as reais consequências da radiação ionizante a longo prazo. Pesquisas mais profundas sugerem que elas podem ser bem menos graves do que se costuma propalar.
As usinas nucleares jamais se transformarão numa bomba atômica. Enquanto as bombas atômicas têm uma concentração de urânio 235 (físsil) de 90%, a concentração do mesmo átomo nas usinas nucleares é de apenas 3% (misturado em 97% de urânio 238, não físsil). Uma usina nuclear nunca produzirá uma reação nuclear em cadeia instável, como nas bombas atômicas. Podem até ocorrer explosões nas usinas nucleares, mas elas são devidas à produção de hidrogênio no interior do núcleo, que é um gás altamente combustível. O impacto dessa explosão é local; o perigo (ainda não corretamente dimensionado pela ciência) reside no espalhamento da radiação liberada, que pode ser levada pelas águas ou pelos ventos.
Os três mais graves acidentes da história das usinas nucleares (Three Mile Island – EUA, Fukushima –Japão e Chernobyl – Ucrânia) resultaram de uma combinação de premissas de projeto equivocadas, falha humana, irresponsabilidade política, e ocorreram devido a problemas aos quais as usinas de nova geração não estão mais sujeitas.
Em 28 de março de 1979, um erro operacional e uma falha num equipamento de refrigeração provocaram a fusão parcial do núcleo da usina nuclear de Three Mile Island. A manutenção preventiva havia sido prejudicada por cortes de custos e materiais de qualidade inferior haviam sido usados. Mas a causa principal do acidente foram as decisões erradas tomadas por operadores despreparados. A temperatura do núcleo subiu demais e a pressão aumentou. Uma válvula de redução de pressão abriu-se, mas não se fechou, ao contrário do que estava indicado. Isso provocou a liberação de enorme quantidade de água radioativa no rio Susquehanna. Gases radioativos também escaparam para a atmosfera. O Governador do estado da Pensilvânia, onde se encontra a usina, demorou dois dias para iniciar a evacuação em um raio de 8 km ao redor da instalação nuclear.
Fukushima é uma usina de água fervente (BWR), atualmente em desuso. Foi dimensionada para suportar um terremoto de 8,1 na escala Richter, numa área notoriamente suscetível a terremotos de grandes proporções. Foi dimensionada para suportar maremotos de até 5,7 metros de altura.
O maior terremoto da história do Japão, ocorrido em 11 de março de 2011, teve intensidade de 9,2 na escala Richter e gerou um maremoto de mais de 14 metros de altura. A usina de Fukushima, equivocadamente, não havia sido dimensionada para suportar desastres naturais dessa intensidade. O maremoto encobriu e inundou as instalações nucleares e provocou o desligamento do sistema de resfriamento do núcleo. Os reatores 1, 2 e 3 sofreram fusão parcial, com liberação de hidrogênio – gás altamente combustível – pela oxidação das varetas, seguida de implosão dos edifícios onde estão os reatores nucleares pela queima do hidrogênio. Houve vazamento de água radioativa para o mar e liberação de gás radioativo na atmosfera.
Em Chernobyl, no início da madrugada do dia 26 de abril de 1986, aproveitando um desligamento de rotina da usina, foram realizados alguns testes para observar o funcionamento do reator a baixa energia. Os técnicos encarregados desses testes não seguiram as normas de segurança e, pelo fato de o moderador de nêutrons ser à base de grafite (em desuso no mundo), o reator poderia apresentar instabilidade num curto período de tempo. E foi o que ocorreu.
As pessoas foram alertadas 30 horas depois do acidente. Até então, tudo foi mantido em segredo. Apenas cinco trabalhadores da usina sobreviveram ao acidente.
Ainda que falha humana, erros de planejamento, politização e irresponsabilidade governamental sejam fatores que sempre existirão em maior ou menor grau, os progressos técnicos levaram à construção de usinas bem mais seguras, o que permite afirmar que em uma planta moderna os acidentes acima descritos dificilmente ocorreriam.
Os três maiores acidentes da história da indústria nuclear não teriam ocorrido se estivessem disponíveis as tecnologias dos novos reatores. Estes têm dispositivos passivos para resfriamento do núcleo, que independem de eletricidade ou da intervenção humana. São reatores com vida útil mais longa, com maior eficiência térmica e com maior robustez.
No que concerne aos efeitos dos acidentes nucleares, há uma tendência a se superestimar o número de mortos e os efeitos da radiação ao longo do tempo. No 20º aniversário do acidente nuclear de Chernobyl, em 2006, novas fontes de informação liberaram dados desencontrados sobre as consequências do acidente nuclear. Só na contagem de mortos, havia quatro diferentes dados publicados: 1) 95.500; 2) 70.000; 3) 4.000, e 4) 31.
Ronald K. Chesser e Robert J. Baker são renomados cientistas que produziram diversos estudos sobre os efeitos do acidente de Chernobyl. Os autores passaram 12 anos na área de Chernobyl, tentando identificar os efeitos do ambiente radioativo sobre a vida selvagem. Realizaram uma série de estudos e experimentos na zona de exclusão.
Suas primeiras conclusões foram a favor da tese de que animais estariam sujeitos a mutações genéticas decorrentes da exposição à radiação. Contudo, o uso de instrumentos mais precisos e o aperfeiçoamento de suas pesquisas acabou apontando na direção contrária: não havia evidências de efeitos continuados da radiação sobre a vida animal. Pelo contrário, a vida selvagem prosperava na região de Chernobyl.
O forte impacto dos acidentes, a cobertura emocional da imprensa, a reação igualmente emotiva dos legisladores acaba dando o tom dos debates, restando pouco espaço para a avaliação científica isenta.
Tal avaliação é fundamental para estabelecer normas de segurança que equilibrem o controle do risco com os benefícios sociais da geração energética, e que evitem procedimentos preventivos com impacto restrito sobre a segurança a custos excessivamente elevados.
Tem havido propostas no Congresso Nacional para uma moratória na construção de usinas nucleares no Brasil e para o fechamento imediato das usinas termonucleares de Angra dos Reis. Mas, em face de tudo o que foi dito, é fundamental que não se limite voluntariamente as opções energéticas do Brasil, por meio de uma moratória unilateral.
As usinas nucleares existentes de Angra estão na base do sistema elétrico e são imprescindíveis para a segurança energética do País. Não deveriam, portanto, ser desativadas. Elas passam por contínuos melhoramentos em sua segurança. Aliás, os países detentores de usinas nucleares estão em constante contato para trocarem informações e procedimentos que melhorem continuamente a segurança de todas as instalações nucleares do mundo.
O Brasil precisará, na próxima década, da opção nuclear para garantir a segurança energética em relação ao seu sistema elétrico e ao fornecimento de combustíveis. Precisará também dessa fonte de energia para garantir a modicidade tarifária. A renúncia a esse enorme potencial energético deixaria o País dependente de fontes fósseis, mais caras, mais poluentes e finitas.