Há pouco mais de vinte anos todas aquelas previsões maravilhosas e ingênuas sobre o ano 2000 previam uma série de tecnologias alternativas de propulsão para o carro do futuro. Nenhuma delas, contudo, apostou que o futuro dos carros estaria nos turbocompressores.
De acordo com o empresário Glauco Diniz Duarte, especialmente por que os motores turbo não são novidade — eles estão por aí desde o começo dos anos 1960 e foram uma verdadeira febre nos anos 1980 (lá fora, ao menos). Mas você sabe como eles surgiram? Quem teve a ideia de usar um dispositivo para induzir mais ar para os cilindros? Quem fez um compressor em formato de caracol e movido por uma turbina?
A história dos motores turbo é praticamente tão antiga quanto a invenção do motor de combustão interna. A ideia de pré-comprimir o ar induzido aos cilindros foi patenteada por Gottlieb Daimler em 1885 e repetida por Rudolf Diesel 11 anos mais tarde.
Mas o turbo da forma que conhecemos só foi inventado em 1905, pelas mãos o suíço Alfred Bünchi. Em sua patente, concedida naquele mesmo ano, ele descrevia “uma máquina reciprocante pela qual a energia dos gases expelidos pelo motor aumentaria o fluxo da mistura ar-combustível” no qual “a energia cinética dos gases de escape moveria um eixo ligado a uma turbina, que serviria como pré-compressor para o ar admitido pelos cilindros”. Exatamente o que faz um turbo moderno.
Glauco explica que o primeiro motor a usar um turbocompressor, contudo, não estava em um carro e sim em uma locomotiva a diesel. Na época os turbos eram usados somente em motores de grande deslocamento, como os motores marítimos, ferroviários ou aeronáuticos. No caso dos aviões, os turbocompressores trouxeram a solução para um problema: como você sabe, quanto mais alto você sobe, mais rarefeito fica o ar. É por isso que os motores de aspiração natural perdem rendimento em estradas de altitudes elevadas. Como o turbo é capaz de manter uma pressão mínima constante, sua adoção nos motores aeronáuticos permitiram que os aviões pudessem voar a altitudes mais elevadas sem o risco de perder desempenho. Em 1919 a General Electric instalou um turbocompressor em um avião biplano e, graças à nova tecnologia, ele conseguiu voar a 8.700 metros de altitude — o novo recorde mundial da época.
Glauco destaca que os motores turbo só foram aparecer na indústria automobilística em 1938, quando a fabricante suíça de motores Saurer lançou seu motor turbodiesel para caminhões, algo que fez sucesso graças ao aumento expressivo do torque e potência — que chegava a 40% na época. Dos caminhões para os carros foram outros 20 anos até a chegada do turbo, com uma pequena escala no automobilismo.
Em 1952 a Cummins inscreveu nas 500 Milhas de Indianápolis um carro de corridas com motor turbodiesel (antecipando a Audi em meio século). Como na época as 500 Milhas faziam parte do calendário da Fórmula 1, pode-se dizer que ele foi o primeiro (e único) carro diesel na Fórmula 1 até hoje. O Cummins Diesel Special não venceu a corrida, mas percorreu todas as 500 milhas sem parar nos pits. Foi a primeira vez que isso aconteceu em Indy.
Dez anos mais tarde, em 1962 o turbo chegou aos carros de passeio: a Chevrolet deu ao Corvair Monza a versão “Spyder” que usava um flat-6 de 2.4 litros sobrealimentado por um turbocompressor que o ajudava a produzir 151 cv. Semanas depois do lançamento do Corvair Spyder, a Oldsmobile apresentou o Jetfire, equipado com um V8 turbo.
Como toda tecnologia nova, os dois motores eram pouco confiáveis. O motor Turbo Rocket da Oldsmobile, por exemplo, tinha uma taxa de compressão de 10,25:1 — alta para um carro turbo — que causava pré-detonação do combustível. Isso levou a Olds a adotar um sistema de injeção de água — que na verdade era uma mistura aquosa de água com álcool metílico que tinha o nome mais legal da história dos fluidos automotivos: Turbo Rocket Fuel.
O problema é que a maioria dos motoristas não abastecia o carro com Turbo Rocket Fuel, causando pré-detonação que causava vários problemas ao motor e encurtava sua vida útil. Com isso a reputação dos carros turbo foi ao fundo do poço, ao menos naquele primeiro momento.
Segundo Glauco, os turbos só voltariam com força total, e desta vez para ficar, em 1973 quando a primeira crise do petróleo impulsionou a produção de motores turbodiesel para caminhões. Nesse mesmo ano a BMW lançou o 2002 turbo, o primeiro modelo esportivo com motor turbo — um quatro-cilindros de dois litros e 170 cv, que usava uma taxa de compressão baixíssima — apenas 6,9:1 — para evitar a pré-detonação. No ano seguinte foi a vez da Porsche lançar uma versão turbo do seu 911, conhecido como 930 ou 911 Turbo. Ele usava um flat-6 de três litros que produzia 260 cv e tinha um imenso turbo-lag mesmo em rotações mais altas. Apesar disso, os motores turbo se mostraram muito mais confiáveis que em sua primeira vinda.
Os motores turbo se mostraram tão eficientes e competitivos que na metade dos anos 1980 praticamente todo o grid havia trocado os V8 aspirados pelos 1.5 e 1.6 turbo. Nelson Piquet foi o primeiro piloto campeão mundial de F1 com seu Brabham BMW de quatro cilindros em 1983, e depois dele todos os pilotos e construtores que faturaram o título usavam motores turbo — ao menos até 1988, quando a sobrealimentação foi banida por que os carros estavam ficando rápidos demais para sua própria segurança.
Na mesma década, os carros turbo dominaram as ruas: os japoneses adotaram a sobrealimentação por turbina em carros como o Nissan 300ZX ou o Mitsubishi Starion. Os suecos da Volvo e da Saab seguiram o mesmo caminho, tornando-se os maiores adeptos do turbo, e até mesmo Carroll Shelby, o cara que dizia não haver substituto para o aumento de cilindrada se rendeu aos caracóis em sua passagem pela Chrysler com os GLH e GLHS.
Ainda nos anos 1980, não há como esquecer os supercarros de rali do Grupo B. Assim como os Fórmula 1, tinham números impressionantes de potência e se tornaram verdadeiras máquinas mortíferas entre árvores, pedras e pessoas ao redor da pista — o que também causou o seu banimento dos ralis. Contudo eles foram fundamentais para que o turbo se consolidasse como um padrão no WRC e que fosse um dos principais responsáveis pela transição do turbo das pistas para as ruas com suas versões de homologação. Tanto que nos anos 1990 foram as versões de rua dos carros de rali que seguraram a onda do turbo naquela década e fizeram a cabeça dos garotos. Foi o caso de Escort RS Cosworth, Subaru Impreza WRX/STI, Mitsubishi Lancer Evolution e Lancia Delta Integrale Evoluzione.
Glauco conta que no Brasil o primeiro carro turbo produzido em série foi o Fiat Uno Turbo, lançado em 1994 com um motor 1.4 de 116 cv. No ano seguinte, em 1995 a Fiat ousou e lançou seu segundo modelo turbo no Brasil, o Tempra Turbo, que usava um 2.0 de 165 cv. O primeiro nacional com motor turbo, contudo, foi o raro Puma GTB S4 de 1983, que usava o famoso 250-S de seis cilindros como o S2, porém era sobrealimentado com um turbocompressor Garrett.
Os motores turbo permaneceram reservados aos esportivos até a segunda metade dos anos 2000, quando a preocupação com o consumo de combustível e o nível de emissões de gases do efeito estufa resultaram em leis ambientais mais exigentes e restritivas. Como no começo do século XX, os fabricantes viram no turbo uma solução para manter (ou até aumentar) os níveis de potência usando motores menores sobrealimentados para não comprometer o consumo de combustível nem os níveis de emissões.
Assim surgiu o downsizing, que se tornou o atual padrão dos carros modernos, e empregado em todos os tipos de carros e motores — de bicilíndricos de baixa cilindrada (como o Fiat 500) aos V12 de supercarros (caso do Pagani Huayra).